Adolescência
Escolha um livro ao acaso sobre o cérebro, e provavelmente você lerá que a maior parte das transformações cerebrais acontece durante os primeiros três anos de vida – ou, com boa vontade, os primeiros dez. Depois disso... caos: com o cérebro supostamente pronto, a adolescência seria aquela fase da vida em que tudo iria bem se apenas os hormônios não atrapalhassem.
Felizmente para os adolescentes e quem convive com eles, isso não pode mais ser considerado verdade. Longe de estar pronto, o cérebro adolescente passa por um segundo longo período de remodelagem e aprendizado, cujo resultado final é o que todo pai anseia para seus filhos: ele se torna independente, responsável e bem inserido socialmente.
As transformações cerebrais da adolescência começam no hipotálamo que, ao comandar a produção de hormônios sexuais e tornar-se sensível a eles, permite ao cérebro descobrir o sexo. Logo em seguida vêm as alterações no sistema de recompensa, que sofre uma enorme baixa e deixa de encontrar graça no que antes dava prazer. O resultado é um conjunto de marcas diagnósticas da adolescência: tédio, perda de interesse pelas brincadeiras da infância, impaciência, preferência por novidades e um gosto por riscos. O conjunto é ótimo, pois nos faz abandonar os prazeres da infância e querer sair de casa em busca de outros horizontes. Senão, quem abriria mão de casa, comida e roupa lavada?
O único porém é que as mudanças necessárias no córtex cerebral para lidar de modo adulto com os novos impulsos adolescentes levam cerca de dez anos para acontecer. Atenção, linguagem, memória e raciocínio abstrato são processos até que rapidamente aprimorados e postos à prova com o interesse súbito por política, filosofia e religião. Por outro lado, a capacidade de se colocar no lugar dos outros e de antecipar as conseqüências dos próprios atos, bases para as boas decisões e para a vida em sociedade, só chegam ao final da adolescência, à força de mudanças no cérebro e de muita experiência. Só o tempo não basta: tornar-se independente e responsável requer aprender a tomar boas decisões, e isso só se aprende... tomando decisões.
Adolescentes, portanto, fazem o que podem com o cérebro que têm – e é bom que seja assim. Nosso dever é ajudá-los oferecendo informações, alternativas, e também o direito de errar de vez em quando. Fico aqui torcendo para continuar pensando assim quando meus filhos virarem adolescentes...
Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em abril de 2007.