Mais que ironia: sarcasmo

Eu tenho um lado Sheldon, como o personagem socialmente desajustado do seriado The Big Bang Theory: como ele, que é sacaneado pelos amigos sem se dar conta, muitas vezes eu também preciso que alguém levante uma plaquinha dizendo “Sarcasmo” para me ajudar. Até meus filhos a esta altura já têm um detector-de-sarcasmo melhor do que o meu.

O problema é que se entender ironia já dá trabalho, identificar o sarcasmo é pior ainda. Na linguagem, ironia é o uso intencional de palavras que tem o oposto do sentido que se quer transmitir. Já o sarcasmo é o uso de ironia especificamente com a intenção de insultar alguém, ou de demonstrar irritação ou desprezo.

Um estudo japonês publicado em 2013 explica por que detectar ironia e, pior ainda, sarcasmo, dá tanto trabalho ao cérebro. O estudo, com voluntários expostos a diálogos mais ou menos irônicos ou sarcásticos de dentro de um aparelho de ressonância magnética funcional, mostrou que o processo envolve muito mais do que o simples registro de incongruência entre as palavras usadas e o contexto (como dizer que algo obviamente hediondo é lindo).

Entender a ironia de um comentário envolve ativação do giro temporal superior, uma estrutura que permite a representação do estado mental dos outros, e com isso a interpretação de intenções alheias – como de agredir com palavras. Ao mesmo tempo estão ativos o giro temporal inferior, mais abaixo, e o córtex pré-frontal medial, que representam o contexto da situação. Se há humor na situação, aumenta a ativação do córtex pré-frontal dorsolateral. E ao contrário, quanto mais emocionalmente contundente é a ironia percebida, maior é a ativação na amígdala, que representa tanto o estado emocional próprio quanto o alheio.

Entender o sarcasmo, portanto, requer o trabalho integrado de ao menos quatro sistemas distintos do cérebro: que representam contradições na linguagem, o contexto da conversa, e a intenção e o estado emocional do autor do sarcasmo.

Até a ironia eu chego sem o menor problema, e aprecio seu humor. Mas, como tenho dificuldade em identificar quando a intenção é negativa, acho exasperante lidar com pessoas que abusam de sarcasmo. Minha saída é me cercar de pessoas gentis, como meu marido e amigos, que já notaram minha tendência a ficar com o olhar perplexo enquanto tento decidir se estão curtindo com a minha cara ou não, e que então levantam uma plaquinha para mim: “Sarcasmo”...

Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em março de 2014

Próximo
Próximo

Perdão