O cérebro funciona enquanto vê TV?
Se você é daqueles que ligam a televisão querendo desligar o cérebro, tenho uma má notícia: seu cérebro continua funcionando mesmo perante o mais imbecil dos programas. Claro que há maneiras e maneiras de se ver televisão. Existe TV-papel-de-parede, TV-rádio, TV-cinema, TV-jornal, TV-babá, TV-companhia-para-adormecer, TV-não-quero-pensar-em-nada. Todas elas pelo menos estimulam os sentidos, ainda que você adormeça. Há maneiras mais interessantes e criativas de se fazer só isso, é verdade. Mas, quando você menos espera, a TV também consegue fazer você pensar. Jornais, entrevistas e outros “programas sérios” são provocadores-de-pensamentos óbvios, convites ao posicionamento pessoal e à elaboração de críticas e apreciações. Nesse sentido, programas realmente imundos, daqueles que ficam chafurdando no DNA alheio, também funcionam: com um pouco de sorte, seu cérebro acha aquilo acintoso e dá as ordens necessárias para seu dedo mudar de canal. Mas besteirinhas leves também fazem seu cérebro funcionar. Estudos recentes de telespectadores assistindo a episódios de seriados como Seinfeld e Os Simpsons deixaram claro que achar graça dá trabalho ao cérebro. Apreciar o humor requer esforço cognitivo: antes de curtir suas gargalhadas é preciso entender a piada, ou literalmente achar a graça.
Circuitos diferentes do cérebro são acionados no processo. Encontrar a graça coincide com a ativação de regiões do lado esquerdo do cérebro que normalmente tanto processam a linguagem quanto resolvem ambigüidades contextuais – como as tiradas irônicas e piadinhas de situação que pululam nos seriados americanos. Curtir a graça, por outro lado, casa com a ativação intensa de três regiões, dos dois lados do cérebro. Uma faz parte do sistema de recompensa, aquele conjunto de estruturas que cuidam de nos dar prazer quando fazemos algo bom. As outras duas cuidam das sensações corporais, base das emoções: a amígdala (não, não é a da garganta) e a ínsula (que monitora em permanência o estado do corpo). Como bônus, rir ainda melhora a imunidade do organismo. Ou seja: assistir a comédias dá trabalho e prazer a corpo e cérebro. Claro que isso não justifica passar horas a fio em frente ao aparelho. Mas, pelo menos, não é preciso se sentir totalmente culpado de parar tudo para assistir àquele episódio tão esperado da novela...
Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em maio de 2006.