O prazer de produzir com as próprias mãos
Por que livros de colorir continuam populares?
Recebi a pergunta muitas e muitas vezes, mas não arriscava um palpite. Livros de colorir para crianças nunca saíram de moda, mas brincar de colorir sempre foi inquestionavelmente “coisa de criança”, passatempo fácil e barato em tempos pré-iPad, e oportunidade de aprendizado em coordenação sensório-motora para cerebrinhos em desenvolvimento. Mas por que livros de colorir para adultos pegaram, e hoje são vistos até mesmo como terapia relaxante?
Tendo passado o último ano produzindo coisas agradavelmente coloridas com minhas mãos, acho que agora eu tenho resposta. Os livros de colorir democratizaram o que até então era privilégio dos talentosos, ou bem treinados, ou ricos a ponto de ter um jardim e trabalhar nele por puro prazer ou simplesmente ter tempo livre: falo do prazer de se entregar a uma tarefa manual difícil o suficiente para exigir concentração e dedicação exclusiva, mas fácil o suficiente que ela pode ser executada e completada, trazendo resultado esteticamente prazeroso e o prazer especial da conquista que pode ser descrita por aquelas palavras mágicas: “fui eu que fiz”.
Faz um ano e meio que aprendi a fazer crochê. Foi uma tentativa de me dar um novo passatempo durante o inverno em isolamento pela COVID, claro. Achei uma pseudo-lã grossa e macia, de cores misturadas, que daria em três tempos um cachecol infinito delicioso assim que eu dominasse o vai-e-vem da agulha e onde cada dedo deveria estar. Tinha tentado em criança, sob a tutela da minha avó, mas o trabalho era delicado demais para os meus neurônios de então.
Mas agora... a não-lã grossa deu vez a uma menos grossa. Progredi para as colchas e cobertores; adotei os fios mais finos, formei-me em xales, e agora a aventura é inventar coletes inusitados. O da vez é todo de círculos concêntricos em cores primárias, costurados firme uns nos outros. Parece um livro de mandalas colorido por alguém que só tinha cinco canetinhas. Vou usar por baixo dos casacos taciturnos do outono que chega aqui. Vai ser meu novo “uniforme de palestrante”, para já ir avisando à audiência que a palestra vai ser divertida.
Sim, eu me sinto aquela criança toda prosa da sua arte, que ela exibe orgulhosa a cada novo adulto que chega em casa. E a adulta em mim agora tem uma nova apreciação pelos livros de colorir, que dão a adultos com pouco tempo livre a oportunidade de produzir, logo de cara, algo bonito com o próprio cérebro. Não se trata de “colorir por números”, onde apenas se seguem ordens bestamente. Como crochê ou pintura, livros de colorir convidam a mente a imaginar o que poderia ser e nos põem em controle, com o poder da decisão.
Além disso, colorir desenhos complexos requer concentração e dedicação exclusiva, e a imersão que resulta significa que os problemas do mundo serão postos de lado, ao menos pela duração da atividade. Esvazia-se a cabeça enquanto o cérebro planeja algo belo e as mãos trabalham na execução. Como pode não ser gostoso e relaxante?
Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em setembro de 2022.