Fevereiro de 2024 Virei atração turística!
Não eram nem sete horas quando eu e Bruno chegamos ao vilarejo de Mahabalipuram (Bruno, sendo Bruno, teve que ser arrancado da cama por telefone às 5:25, depois de confirmar à nossa anfitriã dez vezes, às 11 da noite anterior, que sim, ele tinha certeza que a gente queria ser buscado às 5:30 pra chegar ao sítio arqueológico antes dos outros turistas!). A estrada era curiosamente semelhante à minha velha conhecida para a Região dos Lagos, no Rio de Janeiro: aquela muvuca de lojas encavaladas, mulheres acordando e saindo para varrer a calçada para começar o dia, gente de um lado para o outro… mais, é claro, a parada obrigatória para deixar as vacas, sagradas, atravessarem a rua.
O pulo súbito na densidade populacional acusou que havíamos chegado na região do sítio arqueológico. Não só isso, como a cor predominante: vermelho e tons de açafrão, em honra da deusa Parvati, esposa de Shiva, duas das divindades adoradas no local (segundo nosso guia, são uns 30 milhões de deuses no panteão indiano. “Como é que tem nome para todos?!”, brinco com o Bruno. “Parvati da Costa, Parvati Oliveira, Parvati da Silva… é assim?”).
Nosso guia, claro, era um local bem instruído sobre a história do sítio que se auto-denominou nosso acompanhante e tradutor assim que nos viu sair do carro. Pagamos 1200 rúpias de entrada, como bons estrangeiros (acho ótimo, cobrem preço de turista dos turistas, sim!), e ele nos pediu 1500 para nos acompanhar aos cinco monumentos principais. Não dava nem 20 dólares. Nem regateamos. Sim, eu sei, faz parte da experiência regatear, mas me parece imoral barganhar por dois dólares a menos. Por outro lado, vivo insistindo com o Bruno: Não podemos inflacionar a economia local, a gente tem que saber primeiro o que é o preço justo…
Balu, o guia, nos explicou que Maha Bali Puram significa Grandes Sacrifícios nesta Cidade. Indira Gandhi tentou abrandar a realidade do nome (pois o templo principal ainda tem de fato o pedestal onde cabeças eram cortadas) e mudar pra Mamallapuram (cidade resiliente, acho), mas os locais não compraram a ideia.
Era cedo e o sol ainda não despontara (pretérito mais-que-perfeito serve pra isso, pessoal: o passado do passado!), mas achei minhas fotos lindas assim mesmo. Mais do que o sol alto no céu, são os momentos de transição dia-noite que nos lembram que tudo muda, e que a gente tem mais é que ter gratidão por ter vivido mais um dia de perguntas e descobertas. No meu caso, achei ótimo o templo ser guardado por… vacas! Dezenas delas!
Demos a volta no templo, o sol subiu (a Terra girou…) e os peregrinos indianos começaram a aparecer, todos vestidos em tons de vermelho. Continuei focada nos detalhes das construções, curtindo fotografar minúcias, no meu jeito Aspie de ser, Bruno e Balu já bem mais adiante, quando meu cérebro virou de volta para o lado de fora e notei que passavam por mim jovens senhoras em saris vermelhos. Sorri para uma, para outra, elas sorriram de volta, começaram a conversar animadamente entre elas… e quando me dei conta, uma delas voltava correndo para mim dizendo Photo? Photo?
Fiquei na dúvida inicialmente se era um pedido para EU tirar foto DELAS - 25 anos atrás, na minha primeira visita à Índia, TODAS as crianças e adultos locais vinham correndo posar quando viam a máquina fotográfica. Mas não: o que elas queriam, e ardentemente, era posar para uma foto… COMIGO!
Achei o máximo virar atração turística. Ali obviamente eu não era alvo de desejo por aparecer na televisão, ou ser nerd de neurociência, autora de livros ou palestrante de TED e afins: a razão da minha celebridade era o fato de eu “stick out like a sore thumb”, quer dizer, ser a estrangeira inconfundível, branca azeda, mais alta do que todas as mulheres locais, vestida da cor errada, mas ainda assim de kurta (a túnica), palazzo (a calça) e dupata (o xale) locais, em respeito e apreciação à cultura, e portanto - ainda mais sorridente - sinalizando ser abordável.
Bruno nos viu de longe e voltou correndo para aparecer na foto também. Não é todo dia que a gente vira atração turística!