A força do hábito
Havia quase dez anos que o estacionamento no trabalho era o mesmo – e, mesmo sem termos vagas marcadas, costumo parar mais ou menos no mesmo lugar todos os dias. Até que, mês passado, uma pequena obra mudou o portão de entrada e saída de um corredor do estacionamento para o outro, mais distante de onde eu habitualmente paro o carro, e sem possibilidade de passar de um corredor para o outro. O resultado foi inevitável: passei mais de uma semana errando a saída do estacionamento.
Nas primeiras vezes, simplesmente dirigi até onde o portão antigo ficava, para só então me dar conta do erro e fazer meia-volta. Nos dias seguintes, fui melhorando aos poucos: ainda entrava automaticamente no corredor errado, mas a cada vez notava meu erro um pouco mais cedo. Até que, finalmente, semana passada meu cérebro aprendeu: já sou capaz de entrar no carro ao final do dia e me dirigir diretamente à saída.
A semelhança da minha situação com a de ratinhos de laboratório sendo submetidos a testes de aprendizado e memória não passou despercebida, claro – são os ossos do ofício. Foi divertido, na verdade, notar na própria pele (ou no próprio cérebro) como pode ser difícil extinguir um hábito para adquirir outro em seu lugar. É a versão bem branda do que dependentes variados precisam conseguir para abandonar seus vícios respectivos: reprogramar seus cérebros para quebrar um hábito.
A fonte da dificuldade é o mesmo processo que, em outras circunstâncias, nos dá a vantagem de não ter que pensar conscientemente em como fazer o que precisamos fazer quando se trata de um comportamento executado sempre da mesma maneira. Esses são os hábitos, inscritos em nosso cérebro nas conexões entre córtex motor e núcleos da base, e executá-los não exige atenção. Basta estar no contexto certo, e o programa é automaticamente lançado enquanto você pensa em outra coisa – donde meu erro sistemático logo após a mudança da saída do estacionamento.
Hábitos, por isso, são extremamente valiosos enquanto as condições não mudam – e problemáticos quando elas mudam. Ainda bem que a mesma repetição que leva à instalação dos hábitos também é o remédio para sua atualização, sobretudo quando se tem uma chance de lembrar conscientemente de antemão que uma mudança é necessária: “a saída é por lá, a saída é por lá...”.
Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em abril de 2012