Antidepressivos para quem não tem depressão?

Recebo vários e-mails de pessoas que hesitam em tomar a medicação receitada após ler a bula. A razão, em muitos casos, é notar palavras como “epilepsia” ou “depressão” nas recomendações do remédio. Por que médicos receitam antidepressivos para quem sofre de ansiedade, anti-epilépticos para quem sofre de dor crônica, ou anti-psicóticos para quem sofre de mania, não de esquizofrenia?

A resposta curta é: porque o cérebro funciona com um número surpreendentemente pequeno de substâncias que modulam a atividade dos neurônios, e portanto há poucas maneiras de o cérebro desandar – e poucas maneiras de intervir quando isso ocorre. Por isso, o número de classes de fármacos é bastante pequeno, e eles acabam categorizados de acordo com seu uso mais conhecido.

Se o problema é relacionado a excesso de excitação de neurônios, como ansiedade mas também epilepsia, o tratamento é aumentar o freio natural do cérebro por inibição dos neurônios. As mesmas substâncias que fazem isso são portanto ansiolíticas... e também anti-epilépticas. E também combatem a dor crônica, quando esta é relacionada a excesso de atividade no cérebro.

Se o problema é excesso de modulação dopaminérgica, que tanto promove a saliência pessoal dos acontecimentos (e portanto paranoia) quanto o grau de prazer e movitação (e portanto mania), o jeito é reduzir a ação da dopamina. Essas substâncias são conhecidas como anti-psicóticas – mas também controlam a mania.

Se o problema é ao contrário falta de modulação dopaminérgica, uma das causas possíveis da falta de prazer e motivação da depressão, o jeito mais seguro de corrigir o problema não é aumentar a dopamina (pois drogas que fazem isso levam facilmente ao vício), e sim usar substâncias que fazem o cérebro aumentar seus freios internos. Esses são chamados de anti-depressivos – e também tratam ansiedade.

Os nomes às vezes assustam, eu sei. Mas um pouco de conhecimento sobre o próprio cérebro resolve o problema.

Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em agosto de 2018

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