Do baby class às sapatilhas de ponta
Semana passada fui ao espetáculo da academia de dança onde minha filha faz sapateado, psicologicamente pronta para assistir mais uma vez àquela interminável sucessão de coreografias, sempre iguais, das turminhas do baby class, até começarem as apresentações mais interessantes. Para minha agradável surpresa, desta vez a diretora condensou as apresentações das turminhas: em um mesmo número, assistia-se às bailarinas ainda bebês, de seus três aninhos, na primeira fila; às de uns quatro ou cinco anos na segunda fila; e às de seis ou sete na fila de trás. Umas entravam, outras saiam – e assim elas foram alternando suas apresentações, para deleite de todas as mães, pais e avós babões em tietagem explícita na plateia.
O que mais me divertiu – além das gracinhas que as meninas faziam ao invés de dançar, claro – foi a demonstração, em pleno palco, do desenvolvimento sensório-motor do cérebro (é, meu lado Neurocientista de Plantão assumiu o controle enquanto não chegava a apresentação da minha filha). Até uns 3-4 anos, enquanto o cerebelo ainda termina de se formar e o córtex motor mal está mielinizado, dá para levantar os bracinhos graciosamente para um lado e para o outro, e sempre copiando as alunas-monitoras à frente do palco. Mas juntar duas ações, como fazer pontinha-pontinha e pular? Só aos 5-6 anos, com um córtex motor um pouco mais integrado e funcional – e, ainda assim, só seguindo o exemplo da demonstradora. As de 7-8 anos já conseguem juntar sequências maiores, que exigem do córtex pré-motor, e começam a lembrar das sequências sozinhas – mas seguir o ritmo da música, ou melhor, antecipá-la, nem pensar. As meninas fazem os mesmos passos, mas cada uma a seu tempo, vagamente coordenadas com a música (curiosamente, no sapateado elas se saem bem melhor – talvez porque passos e música são mais marcados e menos fluidos).
Entram, então, as meninas de seus 10-11 anos. Amadurecimento cerebral combinado à prática fazem maravilhas. Conforme as sinapses excedentes, que só atrapalham, vão sendo removidas em prol do fortalecimento daquelas que de fato integram a posição do corpo aos movimentos, e as conexões vão sendo encapadas com mielina, as diferentes partes do cérebro conseguem se entender cada vez melhor. Aos 12-13, o cérebro sabe antecipar o que, como, e inclusive quando fazer – e já encontra até equilíbrio para encarar a sapatilha de ponta...
Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em julho de 2011.