Dormindo nas nuvens

Cá estou eu mais uma vez enfiada em um avião rumo aos EUA, para cuidar do meu trabalho sobre quantos neurônios são necessários para construir o cérebro de macacos. Macaca velha que sou de viagens longas, depois de sete anos morando fora, aproveitei a facilidade da compra de passagens pela internet para garantir o lugar onde aprendi que é mais fácil dormir no avião: a janela.

Dormir nas nuvens requer lidar com a combinação desfavorável de espaço exíguo, ansiedade, tempo insuficiente e pessoas querendo que você se levante para deixá-las ir ao banheiro. Como se isso não bastasse, acabo de atinar de meu assento na janela que a tarefa é complicada ainda mais devido a uma das peculiaridades do sono: o período de sono REM, com os movimentos rápidos dos olhos que lhe dão o nome em inglês (de rapid eye movement) e sonhos vívidos, que se instala a cada 90 minutos mais ou menos de sono.

O problema do sono REM para quem viaja de avião – e não pode pagar a classe executiva, claro – é que nesse período, o cérebro, para evitar que o corpo obedeça às ordens sonhadas e encene cada uma delas, bloqueia todos os neurônios motores, que comandam as contrações musculares. O resultado é conhecido como paralisia do sono: a total flacidez muscular que, em nossas camas, faz o corpo relaxar completamente e garante a segurança tanto de quem sonha quanto de quem dorme ao lado – e, no avião, faz a cabeça cair toda vez que se começa a sonhar. Dormir no avião é uma forma de auto-tortura em que o próprio sono, devido à posição inadequada do corpo, nos faz acordar.

Daí o valor daquele acessório curioso, o travesseiro em forma de coleira que os americanos gostam de usar ao redor do pescoço, que impede a cabeça de tombar de lado. Muito útil, por sinal, para crianças em viagens de carro. Eu, no entanto, prefiro me resolver com a janela. Aprendi que um casaco dobrado por baixo do travesseiro consegue segurá-lo no lugar apoiado contra a janela e, se você conseguir se entortar na cadeira e tiver as pernas um pouquinho flexíveis, é possível apoiar as pontas dos pés no braço do assento da frente, entre a janela e a poltrona, de modo que as pernas travem sob o próprio peso quando paralisadas pelo sono REM.

Acordo para o café da manhã e vejo que minha estratégia funcionou, porque consegui ao menos um longo sonho. E quando ela não funciona, resta no mínimo uma vantagem em sentar à janela: o privilégio de ver a Cidade Maravilhosa do céu!

Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em setembro de 2007

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