As armadilhas da comida a quilo

Conheço um francês que, ao chegar ao Brasil alguns anos atrás, torcia o nariz para os hábitos alimentares dos freqüentadores de restaurantes a quilo. Misturar no mesmo prato arroz, batata, macarrão e farofa só podia ser coisa de bárbaros desprovidos de educação gastronômica: na França, afinal, o prato principal geralmente consiste em uma carne e um único tipo de carboidrato – massa ou batata ou arroz, mas nunca os três juntos.

Restaurantes a quilo, no entanto, são um convite a encher o prato com tanta variedade em oferta: prova-se um pouquinho disto, um pedacinho daquilo... e assim, logo o francês cedeu à tentação e aprendeu a empilhar batatas-fritas, macarrão, arroz e até salgadinhos no mesmo prato. O resultado? Engordou mais de dez quilos em um ano.

Por que é tão fácil comer demais em restaurantes a quilo? O cérebro tem seus mecanismos para nos encorajar a comer, de importância óbvia, já que esse órgão sozinho precisa de cerca de 500 calorias por dia para se manter funcionando. Menos apreciado, no entanto, é que ele possui mecanismos igualmente importantes que nos fazem parar de comer a cada refeição.

O córtex órbito-frontal, a porção do córtex situada entre os olhos que aprecia a comida, possui neurônios sensíveis a sabores específicos, como carne, brócolis e lasanha. Esses neurônios possuem uma característica especial: quanto mais são estimulados pela presença daquele sabor na boca, menos conseguem respondem a ele durante aquela refeição. Assim o córtex vai ficando cansado daquele sabor, e logo perde a motivação para comer mais dele. Mas outros sabores continuam a oferecer prazer a seus neurônios específicos, que ainda não os provaram naquela refeição – o que explica por que você não agüenta mais carne e farofa no churrasco, mas aceita de bom grado uma mousse de sobremesa!

Um prato principal que consiste de apenas dois ou três sabores, portanto, nos deixa saciados muito mais rapidamente do que a coleção de sabores diferentes tão fácil de se montar nos restaurantes a quilo. Refeições ricas em proteínas também levam à saciedade mais rapidamente do que as baseadas em carboidratos, geralmente a oferta mais abundante dos restaurantes.

O jeito para quem freqüenta restaurantes a quilo é aprender a resistir à tentação de provar um pouco de cada coisa, selecionar cardápios ricos em proteínas – e usar um último truque para ajudar seus neurônios a se saciarem: mastigar, mastigar, mastigar.

Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em setembro de 2007.

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