Felicidade fora de hora

A felicidade é uma das sensações divinas que o cérebro nos proporciona. Mas a felicidade em excesso, quem diria, pode ser um problema tão grave, ou até mais, quanto a tristeza maligna da depressão.

A tristeza em si não é ruim. É muito importante ficar triste quando isso é o que as circunstâncias pedem: a morte de uma pessoa querida, a perda do emprego, a mágoa causada sem querer em alguém. Por ser um estado desagradável, a tristeza sinaliza ao cérebro eventos ruins e faz com que busquemos evitá-los no futuro. A tristeza somente se torna um problema quando ela acontece apesar das circunstâncias: quando tudo vai bem mas o cérebro, deprimido, enxerga infelicidade por onde passa. Tristeza não é doença, mas a tristeza injustificada é.

Assim como é possível ficar triste fora de hora, a felicidade inadequada, exagerada para as circunstâncias, também existe: é a mania, distúrbio que não deve ser confundido com a compulsão de lavar as mãos ou trancar a porta, e que não  necessariamente se alterna com depressão como no transtorno bipolar.

A mania é um estado constante de euforia onde o cérebro, com o sistema de recompensa excessivamente ativo, considera suas idéias maravilhosas e encontra motivação para fazer qualquer coisa. A necessidade de sono é reduzida; o maníaco é cheio de energia e idéias, expansivo, falante e engraçado.

À primeira vista, soa ótimo – mas é um problema e tanto. Se a felicidade justificada de terminar um trabalho ou encontrar uma pessoa querida é uma benção, prêmio conquistado e merecido pelo cérebro que promove ações positivas, a felicidade infundada é uma maldição.

Impelido pelo sistema de recompensa hiperativo, o cérebro perde o freio e toma decisões insensatas que lhe parecem fantásticas, como comprar dez sapatos e três carros novos sem ter dinheiro para isso. Como sua auto-satisfação é enorme, o maníaco age conforme suas idéias grandiosas e despreza quem não concorda com ele, seja amigo, namorado, colega de trabalho ou mesmo o chefe. A mania faz com que a pessoa destrua sua vida pessoal e profissional – mas ache que tudo vai bem.

Para o maníaco, o problema está nos outros, que discordam de suas “idéias maravilhosas”, “invejam sua alegria” e querem “curá-lo da sua felicidade”. Quem sofre de mania dificilmente quer tratamento, e várias vezes só chega ao médico forçado pela família, exausta e desgastada. Afinal, como convencer uma pessoa eufórica de que felicidade tem hora?

Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicada em junho de 2007 na Folha de São Paulo

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