Fobia do sobrenatural tem tratamento
Eu tenho uma teoria sobre por que estórias de terror sobrenatural são tão fascinantes, inclusive (ou sobretudo) para crianças, enquanto filmes de horror violento são apenas angustiantes. Ambos inspiram apreensão, medo, aversão. Mas ameaças de decapitação, desmembramento e outras formas de tortura por pessoas vivas são horrores infelizmente possíveis no mundo real, então ouvir estórias a respeito no máximo serve como aviso e oportunidade de ensaiar mentalmente como escapar, reagir, ou de preferência evitar o horror.
Ao contrário, como o sobrenatural é por definição fantasioso e a chance de ter seu pé agarrado por um fantasma de verdade durante a estória é nula, ouvir contos aterrorizantes de fantasmas, sobretudo no aconchego e segurança do colo dos nossos pais, é uma excelente maneira de ensinar coragem – que não é de forma alguma falta de medo, e sim a capacidade de reconhecer o medo, domá-lo e seguir adiante com o que se quer. Conquistar o medo e aguentar firme até o fim da estória é prazeroso, e com isso a experiência acaba se tornando divertida justamente por causa do terror controlado. E logo vem o pedido: “Conta mais uma?”.
Ouvir estórias de fantasmas no aconchego e segurança de um colo ou sofá com cobertor quentinho funciona como os tratamentos comportamentais de extinção de fobias, por exemplo com realidade virtual, que expõem pessoas gradualmente ao que lhes inspira terror, mas com a certeza de segurança. Aos poucos, o cérebro aprende que não vai morrer por causa da aranha, da altura, da multidão.
Exceto quando os fantasmas são uma fobia real: a fobia do sobrenatural, uma fobia específica que o neurologista brasileiro Ricardo de Oliveira-Souza, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, propõe que seja reconhecida oficialmente. Para quem sofre de fobia do sobrenatural, a segurança é uma incerteza permanente – pois quem garante que fantasmas de fato não existem, para quem vive aterrorizado pela ideia? Terapias de extinção, para essas pessoas, são apenas mais sessões do horror que vive em suas cabeças.
Em um relato recente de seis casos, publicado na Frontiers in Psychiatry com acesso aberto, Ricardo expõe a dificuldade do diagnóstico (que adulto admitiria espontaneamente morrer de medo de fantasmas?), a extensão do problema (incapacidade de morar ou viajar sozinho), sua origem possível (hiperexcitabilidade da amígdala, como em outras fobias) – e também a possibilidade de tratamento.
Como para outras fobias, o tratamento médico com antidepressivos e/ou ansiolíticos é eficaz contra a fobia do sobrenatural. Fantasmas, quem diria, tem remédio.
Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em março de 2019