Mãe adotiva também funciona!
Escrevi na semana passada sobre as marcas que a institucionalização de bebês deixa sobre seu cérebro anos mais tarde, mesmo quando adotados ainda na infância: um desenvolvimento mais lento, atingindo um volume cerebral 10% menor do que o de crianças da mesma idade criadas desde sempre pela própria família. Por um lado, essas e outras evidências, como a taxa elevada de transtornos de ansiedade na vida adulta, indicam que a instituicionalização deve ser apenas um último recurso. Por outro, contudo, elas dão margem a uma interpretação errada: de que adotar não adianta.
Adianta, sim – e a mensagem é justamente que crianças órfãs ou abandonadas precisam ser adotadas o quanto antes, mesmo que por famílias temporárias, de preferência uma que saberá lhes dar carinho e atenção. A evidência mais impactante vem de... bebês ratos, que são facilmente “institucionalizáveis” em laboratório, recebendo contato com ratas-mães apenas para se alimentarem – ou sendo entregues aos cuidados de ratas-mães adotivas.
O impressionante é que a diferença entre o cuidado apenas burocrático e a adoção por uma mãe carinhosa ou, ao contrário, por uma mãe ausente, é evidente até mesmo com os ratos. A separação crônica da mãe deixa várias marcas no cérebro, modificações que levam a problemas cognitivos, ansiedade crônica e hiperreatividade a estresses na vida adulta. Mães adotivas tão pouco presentes e atenciosas quanto uma cuidadora institucional ajudam um pouco, mas não muito (embora, para o cérebro, qualquer mãe seja melhor do que nenhuma mãe – mas isso é outro assunto).
Em comparação, ser criado por uma mãe-rata adotiva carinhosa, que vive recolhendo sua cria para deitar em cima dela e lamber seus filhotes, é tudo de bom para esses bichinhos e seus cérebros.
E mais: mesmo se filhas biológicas de mães que as desprezaram, ratinhas criadas por mães carinhosas, adotivas ou não, se tornam adultas com bem menos problemas de ansiedade e, quando chega sua vez, mães também carinhosas. Dar carinho ao seu filhote adotado, portanto, é investir desde já no bem-estar dos seus netos.
Por fim, pais, não se sintam excluídos. Estudos com ratos são necessariamente feitos com as mães, porque os ratos pais... não dão a mínima para os filhotes. Mas vocês, homens, são diferentes: podem escolher fazer a diferença para seus filhos, biológicos ou adotivos, dando-lhes muito carinho e atenção.
Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em outubro de 2012.