Os limites da atenção

Não estava no programa, quando resolvi ser neurocientista, me tornar escritora também (muito menos colunista da Folha!) – e menos ainda virar apresentadora de uma série (sobre neurociência, é claro) na televisão. Mas cá estou eu, adorando as atribuições da “neurocientista de plantão” – e, de quebra, aprendendo coisas inusitadas sobre a neurociência da vida comum.

Por exemplo: quantas pessoas são necessárias para gravar dois minutos de vídeo? “Umas três” era meu chute ingênuo, com base nas equipes que vêm ocasionalmente ao laboratório gravar entrevistas. Para meu espanto, durante uma pausa em frente às câmeras no estúdio, notei que tinha, de olhos colados em mim, uma equipe de nada menos que... trinta pessoas. Por que tanta gente para cuidar de apenas uma pessoa e um cérebro cenográfico no vídeo?

Meu lado neurocientista-de-plantão aproveitou o tempo de espera sob os refletores (deliciosamente quentinhos, no estúdio gelado) pra pensar no assunto: isso só pode ser coisa da nossa capacidade limitada de atenção.

Prestar atenção significa alocar seletivamente nossos recursos cognitivos sobre um único foco, cujo processamento fica mais rápido e preciso, em detrimento dos demais, que se tornam menos detectáveis ou salientes. Na prática, isso funciona como um filtro que faz sobressair tudo o que diz respeito a uma informação – mas às custas de todas as outras, que “somem” no fundo.

A boa notícia é que estamos sempre prestando atenção em alguma coisa: até o cérebro “distraído” está na verdade atento a processos mentais internos (a agenda do dia, o encontro à noite, o filme de ontem) ou ocupado acompanhando o distrator da vez (como a mosquinha ou a moça bonita que passa).

A má notícia é que só conseguimos fazer, conscientemente, uma coisa de cada vez – como cuidar da luz, do som, das sombras erradas, dos cabos, da câmera, dos fios de cabelo rebeldes, da maquiagem, das falas, da seqüência, cada uma função do córtex de uma pessoa diferente para que tudo saia certo ao mesmo tempo. Ou cuidar do conjunto, função do córtex do diretor – quem, para acertar no todo, não pode prestar atenção às partes.

Considerando que somos apenas eu e um cérebro em cena, até que são “só” trinta pessoas para a gravação. Imagine quantos cérebros atentos a uma coisa de cada vez não devem ser necessários para gravar uma cena de novela ou cinema, com dezenas de atores e figurantes, cenários complicados e coisas se movendo...

Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em novembro de 2008

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