Para achar a saída do shopping
Nunca comprei aquela estória de que os homens, porque eram caçadores na pré-história, teriam maior habilidade de navegação espacial – a capacidade de saber onde você está e como sair dali para chegar a outro lugar – do que as mulheres. Se é assim, explique-se: por que meu pai, meu marido e meu ex-marido têm tanta dificuldade para achar a saída do shopping, mesmo quando é aquele aonde se vai com frequência e onde se estaciona sempre no mesmo lugar, enquanto o contingente feminino da família sabe não só onde fica a saída como também qual loja fica acima de qual outra? Ou é muita coincidência, ou a estória não é bem assim.
Anos mais tarde, descobri a resposta da neurociência: sim, existe uma diferença na maneira como homens e mulheres se orientam no espaço – mas nem eles nem elas são “mais hábeis”. Eles são apenas... diferentes.
A diferença está nas regiões da formação hipocampal do cérebro priorizadas por homens e mulheres na hora de montar um mapa mental do espaço por onde navegam, mapa esse que é consultado na hora de se dirigir à saída, ao restaurante, à sua loja preferida ou ao carro no estacionamento. Enquanto eles tendem a usar regiões da formação hipocampal que representam distâncias e direções absolutas para formar mapas do espaço, elas costumam recrutar regiões vizinhas na formação hipocampal que representam informações como marcos topográficos visuais: árvores, placas, cartazes e outros sinais e sua posição relativa.
São duas estratégias complementares de navegação, nenhuma intrinsicamente melhor ou pior do que a outra. Uma forma mapas mentais que priorizam objetos; a outra forma mapas que priorizam distâncias e direções. Na prática, usar um ou outro mapa é como se guiar pelas ruas de São Paulo usando pontos cardeais e a geometria das vias ou usando as várias torres e antenas como a da Av. Paulista como marcos visuais.
Por que, então, as mulheres (ao menos na minha estatística!) se saem tão melhor do que os homens no quesito saída-do-shopping? Suspeito que seja pela compatibilidade entre as características dos shoppings, cheios de letreiros e vitrines diferentes, e a tendência feminina a priorizar marcos visuais. Se distâncias e direções funcionam bem na savana ou em passeios no campo, dentro de um shopping não há nada como uma loja em especial para servir de referência. E, claro, nada impede os homens de fazerem uma forcinha para se guiar pelas lojas na próxima visita ao shopping!
Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em março de 2009