Vamos falar de sexo... nos ratos
Que sexo (voluntário e desejado) é bom, todo mundo sabe. A questão, segundo alguns, é por quê. Dado que a consequência natural do contato sexual é a próxima geração, alguns acham que seria “desnecessário” sexo ser prazeroso: seu “prêmio”, em termos evolutivos, seria a procriação que, por definição, perpetua o comportamento. Para resolver a questão, ajudaria saber se o prazer do sexo é exclusividade humana ou não. Mas como perguntar a quem não fala?
Na falta de uma linguagem universal entre mamíferos, um jeito é espiar diretamente no cérebro de outras espécies como ele responde à estimulação dos genitais – o que quer dizer que é preciso que alguém, ahn, vá lá estimular pênis e clitóris de ratos e outros bichos.
Que bom que há neurocientistas que não se acanham, como o alemão Michael Brecht e sua equipe na Universidade Humboldt em Berlin, na Alemanha. Com eletrodos inseridos em diversos pontos do córtex de ratos e ratas adultas sob anestesia, eles procuraram – e acharam – as zonas do córtex onde neurônios respondiam a toques no pênis ou clitóris dos animais. De quebra, essas zonas tinham igual tamanho neles e nelas. Ou seja: as sensações táteis do pênis e do clitóris são igualmente importante para ratos e ratas.
Além disso, um corante injetado no centro do córtex que representa pênis ou clitóris mostrou a quais outras regiões no cérebro essa representação cortical está conectada, ou seja, aonde ela leva, como a próxima estação numa linha de trem. A esta altura, não deveria ser surpresa: em ambos os sexos, a estimulação dos genitais leva a ativação do estriado ventral, cerne do sistema que nos proporciona prazer e motivação. A conclusão mais parcimoniosa, então, é que sexo deve, sim, dar prazer a ratos e ratas.
Assim como toques suaves às orelhas, aliás. Em ambos os sexos, a representação cortical dos genitais dos ratos também “fala” com a representação das orelhas – e de mais nenhuma outra parte do corpo. Ratos e ratas, quem diria, não só devem sentir prazer sexual como ter zonas erógenas nas orelhas.
Extraído de Suzana Herculano-Houzel (2025) Neurociência da Vida Comum, originalmente publicado na Folha de São Paulo em junho de 2018.