Por que demorei tanto tempo para perceber que sou autista? Porque eu sou autista, claro
...e é ainda mais revelador o fato de que levei QUATRO ANOS após meu diagnóstico para perceber que a razão pela qual eu não percebi antes que era autista era exatamente porque eu era autista. Deixe-me explicar.
O autismo é caracterizado por hiper ou hipossensibilidade sensorial. Mais comumente, as hipersensibilidades são de natureza visual/auditiva/háptica (palavra chique para "relacionada ao toque"), e as hipossensibilidades estão relacionadas a sensações fisiológicas relativas ao corpo, ou "interocepção". Acontece que essas sensações fisiológicas são a base para sentir emoções e, além disso, para identificar as emoções expressas no corpo.
Como isso se apresenta? No meu caso: Não sei quando devo parar porque estou ficando cansada, pois não "me canso": Eu me mantenho firme até o momento em que estou prestes a cair de exaustão. É nesse momento que percebo que é hora de parar o que quer que eu esteja fazendo. Isso é ótimo para fazer as coisas, mas faz com que minhas semanas sejam uma gangorra de excesso de trabalho em um dia e necessidade de tempo para me recuperar no outro.
A essa altura da minha vida, já na casa dos 50 anos, sei em "apenas" alguns minutos que algo está me incomodando, mas ainda levo horas, se não dias, para analisar todos os cenários atuais em minha mente e perceber o que exatamente está me incomodando. Às vezes, esse algo que me incomoda é a dor. Não percebo que estou sentindo dor até que ela desapareça repentinamente, talvez porque eu tenha me levantado depois de horas no computador e andado pelo corredor e, finalmente, tenha começado a respirar direito.
(A propósito, estou convencida de que o autismo da minha filha se apresenta de forma oposta nesse aspecto: ela é extremamente sensível à dor, então você pode imaginar como sofrer de endometriose, uma condição inflamatória crônica, é uma experiência particularmente difícil para ela).
Portanto, faz todo o sentido que o autismo seja uma condição melhor detectada por OUTROS, e não pelo próprio indivíduo - mesmo quando o indivíduo é uma neurocientista que se preocupa muito com a neurociência da vida cotidiana. Tudo o que eu sabia era que eu era "estranha", ou seja, claramente não era normal no sentido estatístico. Mas foi preciso ler Neurotribes de Silberman para ser forçada a encarar a realidade de longa data de minha infância e adolescência como Aspie. Foi um momento de iluminação que durou o resto da leitura e continua a se repetir quando penso em minha vida.
Então, sim, eu finalmente percebi outro dia que o autismo, praticamente por definição, diminui nossas chances de nos reconhecermos como autistas.
O corolário dessa percepção é que TODOS ganham se as pessoas, de AMBOS os lados, se sentirem à vontade para perguntar e serem perguntadas: Você já pensou que talvez, apenas talvez, você seja autista?